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São Luís, Maranhão, Brazil
Homem simples e comum: procuro ser gentil com as pessoas, amigo dos meus amigos e bondoso com a minha família. Sou apaixonado por filmes, internet, livros, futebol e música. Estou tentando sempre equilibrar corpo e mente, manter-me informado das notícias a nível mundial, ministrar aulas de geografia em paralelo às pesquisas acadêmicas que desenvolvo e, no meio de tudo isso, tento achar tempo para o lazer e o namoro. Profissionalmente,sou geógrafo e professor de Geografia no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal do Maranhão (IFMA ­ Campus Avançado Porto Franco) e Doutorando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos do Pensamento Socialista Pesquisa do Sindicalismo (NEPS), ambos da UFMA. Participo da Rede Justiça nos Trilhos.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Nelma Sarney permite nova derrubada de casa no Cajueiro


No NMP
A desembargadora do Tribunal de Justiça do Maranhão, Nelma Celeste Souza Silva Costa, conhecida pela alcunha de Nelma Sarney, ordenou, em mandado de reintegração de posse em favor da WPR SÃO LUÍS GESTÃO DE PORTOS E TERMINAIS (PORTO SÃO LUÍS), a desocupação, com uso de força policial, de mais uma casa no Cajueiro, mesmo que a questão da posse da área não esteja resolvida.
A decisão foi cumprida com o reforço policial nesta segunda-feira, dia 12, com a residência sendo destruída na sequência.
Desde a semana passada, a vítima da reintegração recebia ameaças do que estava por vir, emitidas por um dos responsáveis pelo andamento das obras no local, como se ele soubesse antecipadamente da decisão favorável e rápida que teria na sequência.
Esse é mais um atentado da justiça maranhense em favor do empreendimento bilionário que chegou ao Maranhão eivado de suspeições, cometimento de crimes denunciados pelo Ministério Público (como se pode ver no link) e violação de direitos da comunidade do Cajueiro.
Assim, a desembargadora deu uma decisão que mandou reintegrar uma propriedade apesar de a empresa que alega ser dona não conseguir provar cabalmente seu direito (a comunidade possui título de terra emitido por órgão fundiário do Maranhão, além de a licença ambiental estar cheio de vícios, como a falta da devida audiência pública na comunidade).
Para piorar, as ameaças prosseguem, apontando que novas casas devem ser destruídas no local. Moradores estão apreensivos. A reintegração é suspeita ainda de não ter cumprido o protocolo de informar às instituições competentes sobre a retomada da derrubada de casas no local.
Essa não é a primeira vez que a justiça maranhense age de forma covarde. Em dezembro de 2014, cerca de vinte casas foram derrubadas, sob a autorização de um juiz que não tinha competência para tal.
Em janeiro deste ano, mais moradias foram ao chão. A polícia esteve no local e acompanhou, novamente, a ação violenta.
própria justiça já foi vítima de forças ocultas que agem em instâncias superiores em favor do empreendimento. O juiz responsável pelo caso chegou a ser afastado depois que a empresa alegou sua suspeição, em razão da observância, por parte do magistrado, dos ritos legais que estariam atrapalhando o andamento das obras que atropelam o Cajueiro.
Pesquisadores já receberam ameaças. Defensores públicos, intimidados. Moradores que resistem às investidas do empreendimento sentem-se ameaçados até em andar pelo seu próprio território. Outros tiveram seu direito de ir e vir cerceados pela empresa, que manda e desmanda na região. “Protestos” intimidatórios já foram patrocinados em frente a casa de moradores no sentido de intimidá-los e forçar sua retirada.
Nada disso, porém, parece compadecer os mandantes do Maranhão, sejam eles do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário. Os ataques, que começaram ainda sob o governo Roseana Sarney, seguiram e se fortaleceram sob Flávio Dino, que já declarou apoio às obras do porto.
No âmbito do município, uma das estratégias dos que pretendem tomar de assalto a área da comunidade é alterar o Plano Diretor e o Zoneamento Urbano, facilitando a “legalização” de um empreendimento numa região que, além de ser comunidade tradicional, é ambiente de reprodução de várias espécies da fauna e da flora da Ilha do Maranhão, além de ser o meio de vida e subsistência de pescadores, quebradeiras de coco, pequenos agricultores. Uma forma de evitar as alterações é a população participando das reuniões do Conselho da Cidade (e posteriormente das audiências públicas que deverão ser convocadas). As reuniões acontecem às quartas-feiras à tarde no Auditório da Escola de Governança Municipal (EGEM) – rua das Andirobas, nº 26, no bairro do Renascença I. Elas podem ser acompanhadas por qualquer morador da cidade, que tem inclusive o direito a se manifestar (fazer uso da palavra durante a reunião – só não pode votar, o que é reservado aos Conselheiros eleitos).

Dona Diná presente!!!

Além de ceifar direitos dos moradores, o empreendimento vem, literalmente, tirando a vida deles.
Foi o que aconteceu com Dona Diná, 75 anos, hipertensa, cujas complicações de saúde se agravaram com o aumento das ameaças na região. Ela e seu esposo criaram seus filhos no Cajueiro, morando na mesma casa no local por mais de 38 anos. Foi em frente à sua residência que aconteceu um dos episódios mais grotescos dessa história, com um protesto encomendado para intimidar o casal idoso e forçar sua saída do bairro.
No último final de semana, Dona Diná não resistiu. O velório aconteceu no domingo, num dos cemitérios da cidade.
Ela aguentou ver a WPR, a quem os moradores já apelidaram de “diabo-P-R”, derrubar a casa de um de seus filhos, em 2014; sentiu as ameaçadas feitas em frente ao seu portão; recebeu o tratamento frio da policia quando se dirigiu à delegacia para denunciar o caso. E poderia se dizer que depois de tudo isso não teria mais resistido, mas não foi o que aconteceu: como semente, a resistência de Dona Diná está plantada na terra e servirá de exemplo para todos os que lutam contra avalanches de injustiça como as que pretendem prevalecer no Cajueiro, local em que construiu sua vida e viu os filhos crescerem. Dona Diná, presente!!!

Cajueiro e Pindaré

As ameaças prosseguem por todo o território maranhense. Depois do que aconteceu no Cajueiro, na Ilha do Maranhão, foi a vez do assentamento Novo Pindaré, no município de Pindaré Mirim, ser despejado com a presença de cem policiais militares do Estado. Houve um trabalhador rural ferido na ação.
Cerca de 250 famílias cadastradas ocupam, há dois anos, o local objeto da ação de despejo.
O favorecido da vez é João Claudino. Dono do Armazém Paraíba, o empresário é acusado de invadir terras públicas no vizinho estado do Piauí, além de ter seu nome ligado aos Sarneys, como no caso Lunnus, que derrubou a candidatura de Roseana ao Planalto em 2002

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

David Harvey e os caminhos da esquerda: “Precisamos de imaginação ao chegar no poder”




Em conversa com o Brasil de Fato, o geógrafo discute caminhos, saídas e dilemas para a esquerda em tempos de crise
Pedro Ribeiro Nogueira, Brasil de Fato
“Há uma grande diferença entre crescimento econômico e desenvolvimento”, explica o geógrafo britânico David Harvey, professor emérito da Universidade da Cidade de Nova Iorque. “Se nós mudarmos a ênfase do desenvolvimento e a afastarmos do crescimento puro e simples, da produção material, e começar a falar do desenvolvimento das potências e capacidades humanas seria um grande passo. Me parece que há um horizonte quase infinito para experimentação e o desenvolvimento da potência humana, há muito que está latente na humanidade, que não está sendo expressado e sim reprimido”, disse o acadêmico em visita ao Brasil para o lançamento de seu novo livro “A Loucura da Razão Econômica”.
Publicado pela Boitempo Editorial, o livro trata de atualizar o pensamento marxista diante dos novos tempos da globalização capitalista, criticando as respostas encontradas pela “ciência econômica” para a crise política, social e climática que vivemos hoje. Para além de atualizar o pensamento marxista, procurando entender as novas formas metabólicas de reprodução do capital, o livro também busca abrir um diálogo com movimentos e organizações sociais e oferecer um novo espaço para formulação de estratégias políticas em tempos de crise, por meio de uma linguagem acessível e de um pensamento aberto sobre os novos tempos no mundo.
Com isso em mente, o Brasil de Fato encontrou com o geógrafo para uma conversa, visando discutir alguns dilemas e questões para as esquerdas do Brasil e do mundo. Quais são os caminhos da utopia? Como pensar novos comuns? É possível conciliar a necessidade de uma visão anticapitalista dentro de governos, ocupando cadeiras do Estado? O paradigma do progresso e do desenvolvimento precisa ser parado? Existe saída para a crise ambiental e quais são as possíveis inspirações para isso? Esses são alguns dos tópicos abordados pelo pensador na entrevista. Confira.
Brasil de Fato: Durante uma conversa na editora Boitempo, no último dia 13 de agosto, o senhor falou um pouco sobre seu novo livro, “A Loucura da Razão Econômica”, e também sobre o dilema da esquerda, entre garantir direitos e bem-estar, que entra em conflito, uma vez no poder, com uma visão anticapitalista mais ampla. Nesse contexto, como o senhor avalia a queda e a ascensão da onda progressista na América Latina?
David Harvey: Eu creio que o contexto era, evidentemente, aquele de uma longa história de frustração com a via neoliberal, que nos anos 1980 e 1990 teve efeitos deletérios no continente, e penso que todos entenderam isso e não queriam seguir mais a cartilha neoliberal. E eu imagino que houve uma tentativa de ir contra isso. Para mim, há duas formas de ir contra algo assim: ou você age contra o neoliberalismo, mas mantém o capitalismo e busca por formas de capitalismo que não sejam neoliberais, talvez social-democracia; ou você diz, “bom, o problema não é o neoliberalismo, é o capitalismo e preciso achar uma solução anticapitalista”.
Eu não acho que esta segunda jamais foi levada a sério, entendo que o que foi construído foram estruturas social-democratas em uma situação onde o capitalismo tinha como estratégia dominante a destruição das social-democracias e, por isso, essa tática parece fadada ao fracasso. Eu espero que as pessoas aprendam com isso e vejam que o problema é o capital e, portanto, estratégias mais profundas são necessárias. Nós vemos que muitos dos governos de esquerda, no fim de seu tempo no poder, foram empurrados para a centro-direita, e se separaram da compreensão intuitiva de muitos dos movimentos de massa que passaram a sentir que, de alguma forma, não estavam sendo representados e, portanto, se frustaram com a via social-democrata.
Além disso, todos esses movimentos foram fundados, mais ou menos, eu não diria em um culto à personalidade, mas em torno de um líder forte e carismático, e que mantia o movimento junto e como vemos, por exemplo, quando o [Rafael] Correa saiu do poder no Equador e o movimento que estava ao seu redor colapsou completamente e o país voltou inteiramente às mãos da oligarquia. Então, vimos muitas histórias assim, e espero que as pessoas consigam olhar isso e pensar em formas mais profundas de esquerda que vão desafiar o capital de uma maneira permanente, ao invés de apenas um encontro efêmero com as formas social-democratas.
É interessante você ter dito antes da entrevista sobre “a defesa da democracia”. Eu não acho que essa é a questão. Eu penso que nós temos que criar a democracia, porque não havia um mundo democrático aqui antes para ser defendido, precisamos criar esse mundo, ter propostas criativas para descobrir como será essa nova democracia.
Pegando o gancho do que o senhor falou, em sua obra você defende o conceito de “comum”, algo que não é público nem privado, algo que podemos criar juntos. Ele seria um caminho para essa nova democracia? Quem seria o sujeito histórico dessas propostas criativas?
A questão sobre o comum é dupla. Há muitos aspectos da vida que são importantes para todos e deveriam ser tratados em comum. Mas não acho que a “política” deveria ser encarada assim, porque o comum não florescerá ao se ter propriedade sobre o Estado, eu acho que a ocupação do Estado pelo comum é um problema tão grande quanto o controle do comum pelo capital corporativo.
Então, as políticas do comum são sobre as pessoas aprenderem a criar solidariedades para se associar a formas de governo do comum: pode ser um comum local, no qual os bairros podem gerir seu comum por meio de assembleias, ou pode ser um comum muito amplo, digamos, as condições ambientais de um país inteiro, e, em tal caso, precisamos pensar em formas específicas de manejo.
A ideia do comum não pode ser dissociada da questão de como a gestão do comum será estabelecida, porque o comum não é algo que está completamente aberto e qualquer um pode fazer o que quiser, mas é algo gerido socialmente em nome de todos, para que os benefícios fluam para todos. E há que se ter acordos sobre como esse comum será usado e até para como ele deverá ser construído, porque em inúmeras instâncias ele ainda não existe, ele precisa ser criado.
Nós perguntamos, dentro do urbanismo, como o comum será produzido nas cidades e qual será sua aparência quando as cidades forem reorganizadas em torno da ideia de criar espaços decentes para se viver para todos, em oposição ao modelo que temos hoje, que visa criar oportunidades de investimentos para o grande capital.
Pensando nesse comum, em oposição à esquerda tradicional, temos modelos que lembram o comum sendo construídos, pensados e, na verdade, fazendo parte de uma cosmovisão, mesmo na esquerda indígena brasileira, na andina, enfim, você uma relação entre essa visão política e social e sua ideia de comum? 
Algumas formas indígenas de manejo, de gestão, poderiam nos ensinar muito. Não estou dizendo que deveríamos fazer do jeito que eles fazem, mas há uma tradição comum de manejo de recursos e algo que poderíamos construir sobre como utilizar, por exemplo, a questão do direito à terra, de manter a terra como um bem comum ao invés de propriedade privada e talhar pedaços da Amazônia de forma que pertençam ao comum pelas populações indígenas. Parece-me uma das melhores formas de se engajar em práticas de conservação e é o que vemos quando tentamos criar unidades de conservação em propriedades particulares, e que, geralmente, são falhas épicas.
Em seu novo livro, o senhor mostra um fluxograma do sistema de valor em Marx e nele estão dois conceitos que englobam tudo isso, que uma função metabólica, que dá conta da destruição, criação e renovação da natureza e do ser humano. O senhor aponta que o que era para ser ciclo se tornou uma espiral, e ela está fora de controle. E acho que esse também é um dilema para as esquerdas, conciliar as necessidades de emprego, crescimento, moradia, sentido, com a sobrevivência do planeta. Como a esquerda encara essa questão? Precisamos repensar o paradigma de progresso e de desenvolvimentismo?
Há uma grande diferença entre crescimento econômico e desenvolvimento. Se nós mudarmos a ênfase do desenvolvimento e a afastarmos do crescimento puro e simples, da produção material, e começar a falar do desenvolvimento das potências e capacidades humanas seria um grande passo. Parece-me que há um horizonte quase infinito para a experimentação e o desenvolvimento da potência humana, há muito que isso está latente na humanidade, que não está sendo expressado e sim reprimido, então eu sou completamente favorável ao desenvolvimento, mas não estou conectando-o automaticamente ao material.
Nós queremos desenvolvimento sem crescimento, mas quando digo isso tenho claro que em várias partes do mundo você precisa de crescimento, e em algumas partes onde evidentemente não, na verdade, talvez você precise cortar um pouco certas formas de produção e alguns tipos de consumismo.
Quando eu falo isso, eu não estou dizendo: “Ah, amanhã você precisa parar de crescer”. Eu acho que a esquerda tem que dizer, em um país como o Brasil, por exemplo, se houvesse um governo forte de esquerda, o desafio seria saber onde se precisa de crescimento, talvez no Nordeste, para lidar com a pobreza aguda que existe ali. Em São Paulo ou em Porto Alegre, talvez você precise de algo diferente. Então, a esquerda tem que pensar como redistribuir as atividades e os recursos de crescimento de uma maneira que tente criar condições de vida dignas e oportunidades em toda parte no país.
Ao mesmo tempo em que proponho que o comum seja gerido de maneira apropriada, que seja protegido do crescimento, isso não quer dizer que não haja desenvolvimento nele, muito pelo contrário, ele deve ser pensado para garantir o potencial máximo das capacidades humanas e potências, novas relações estéticas que possam garantir que a função metabólica da natureza seja experienciada de outra forma – e eu não estou falando de ecoturismo aqui, eu falo de mudanças fundamentais na forma de se viver nas quais experimentemos o mundo de uma forma diferente.
O senhor falou anteriormente sobre como as cidades se tornaram um espaço para a especulação e não para viver, e isso também foi um dos principais temas abordados pelo senhor em uma de suas últimas visitas ao Brasil, em 2015, para falar do livro “Cidades Rebeldes”. Em situações como a construção de cidades fantasmas na China, parece que isso se torna a forma material do capital financeiro especulativo e, inclusive, o senhor aponta que elas salvaram muitos países da crise com a compra de cimento e cobre e depois ficaram simplesmente vazias. Como está isso agora? Há uma forma de pensar saídas para as nossas cidades?
Em termos capitalistas, a China agora tem um enorme problema de endividamento, e eles agora têm que lidar com isso, porque eles construíram todos essas propriedades e não foram usadas para nada. E muitas pessoas investiram dinheiro no sistema financeiro e estão sem qualquer retorno financeiro. Na semana passada, muitos chineses perderam suas economias, porque o sistema financeiro começou a colapsar e ontem (24/8), o governo chinês colocou US$ 22 bilhões nos bancos para tentar lidar com o descontentamento das pessoas nas ruas, porque se elas perdem suas economias, ficam com muita raiva. Então, até em termos capitalistas, estamos vendo um sobreinvestimento em ambientes construídos e uma superfinanceirização que agora a China tem que lidar e, felizmente para a China, o país tem muitas reservas de dólar e pode usar isso para estabilizar a situação, mas não é uma reserva infinita.
Então, o que vemos são sinais desse esgotamento em diversas partes do mundo, o boom especulativo atravessou as cidades, principalmente concentrando na produção de tudo – do espetáculo urbano a moradias de luxo para os ricos – e não está funcionando até para os capitalistas.
O que fazer com esse excedente de apartamentos e casa? Na China, o que eles estão fazendo é urbanizando boa parte da população rural, movendo as pessoas – muitas vezes forçosamente – do campo para as cidades. Isso não tem nada a ver com democracia nem com qualquer coisa que valorizemos.
Então, digamos que um governo de esquerda chegue ao poder, o que fazer? Eu acho que não sabemos a resposta para isso. Temos uma situação interessante em cidades como Barcelona, por exemplo, ou Madri [ambas na Espanha], onde temos prefeitos de esquerda e eles não sabem o que fazer. E eu estava falando com alguns colegas outro dia e acho que nós devíamos ter think tanks, como a direita tem, para pensar que tipos de políticas públicas a esquerda poderia ter ao ganhar controle político de uma cidade muito grande. Digo isso, porque ganhar uma eleição numa cidade enorme é parte do problema, o problema maior é o que fazer uma vez que se tenha esse controle, como pegar a situação existente e, com base nisso, transformá-la em algo muito mais próximo ao socialismo. E nós não pensamos em fazer coisas assim.
Pensando de forma mais ampla, há atualmente um grande esforço coletivo em repensar caminhos, utopias e modos de se fazer a vida pelo campo da esquerda. Qual sua visão sobre isso?
Eu não acho que a gente pode ir muito longe sem pensar em utopias. O pensamento utópico serve para soltar a imaginação, e não apenas utópico no sentido clássico de pensamento acadêmico e político, eu entendo que boa literatura, bons romances, ficção científica, podem ter um impacto enorme no jeito com o qual as pessoas pensam e veem o mundo ao seu redor. Mas isso me leva a pensar, novamente, no fato de que quando a esquerda chega ao poder, ela tem que ter uma imaginação muito forte sobre o que fazer e o porquê fazer. E sempre tem que ter algo de utópico nisso. Há um pensamento de esquerda que se desvincula disso e eu não acho que é certo, precisamos liberar a imaginação.
Tendo dito isso, eu acho que é muito pertinente a observação marxista de que nós fazemos história, mas não a fazemos nas condições que escolhemos e, portanto, o pensamento utópico tem que reconhecer o mundo que existe, as restrições, pelo que já foi criado. Afinal, cá estamos em São Paulo, uma cidade que foi criada e não podemos pensar uma nova cidade completamente, temos que pensar em como transformar o que existe agora. E essa é uma restrição enorme sobre o que seremos capazes de fazer. Novamente, podemos imaginar usos diferentes para alguns dos apartamentos de luxo, ocupar tudo que está vago e é apenas um investimento e transformar em lugares para viver, por exemplo.
Gostaria de trazer essa questão ao Brasil, que vive um contexto de golpe, com um ex-presidente preso, um candidato de extrema-direita bem colocado nas pesquisas, enfim, como o senhor analisa a situação do Brasil e como ela se insere no contexto do capitalismo global?
É interessante que eu viajo pelo mundo e em qualquer lugar que eu vou esperam que eu dê respostas sobre condições que eu não estou familiarizado, o que é uma tarefa impossível (risos). Eu tenho algumas impressões: eu tenho vindo ao Brasil por muitos anos, e vocês passaram por coisas muito difíceis, mas o que me chama atenção agora é como todo mundo está tão desesperado, sendo que há três anos, todo mundo estava alegre. Parecia que havia dinheiro, todo mundo estava mais contente, a economia ia bem e nenhum desses absurdos estava acontecendo e todo mundo parecia bem. E agora todo mundo está: “Oh não, estamos perdidos, o mundo está colapsando” (risos). Eu acho que havia um certo exagero positivo antes e, talvez, haja um similar [negativo] agora. Eu acho que esse é um país enorme, com muita energia, vocês vão sair dessa, é uma questão de manter a cabeça erguida e não se desesperar demais, e trabalhar para sair disso. Sim, são tempos difíceis, mas há problemas por toda parte, e, enfim, nós sobrevivemos.
Edição: Vivian Fernandes.


segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Marx e o capital no século XXI: uma entrevista com David Harvey


David Harvey fala sobre seu novo livro “A loucura da razão econômica: Marx e o capital no século XXI” em entrevista a David Denvir: “Tenho apostando na construção de alianças. Para construir alianças, você precisa ter uma imagem da totalidade de uma sociedade capitalista. Daí a importância de ler Marx hoje.”
Entrevista especial com David Harvey, no blog da Boitempo
David Harvey é um dos marxistas mais influentes da atualidade. Geógrafo de formação, ele desenvolveu uma leitura bastante original da obra de Marx informada por uma sensibilidade às dinâmicas de urbanização que acompanham a história do capitalismo e suas crises. Seu mais novo livro, A loucura da razão econômica: Marx e o capital no século XXI, é um esforço culminante desse projeto intelectual e político. Nele, Harvey se propõe a atualizar o pensamento de Karl Marx à luz das novas transformações da globalização capitalista contemporânea. Disparando contra a “loucura da razão econômica”, ele revela a total impotência da dita “ciência econômica” imperante para lidar com os problemas postos pela crise atual do capitalismo.  Trata-se de uma obra de amplo alcance temático – abordando fenômenos diversos como bitcoin, inteligência artificial, a ascensão do fascismo, os megaprojetos chineses e a crise da Zona Euro – que procura fornecer um instrumental teórico à altura das complexidades e armadilhas da lógica do capital para que os diversos movimentos e organizações sociais possam calibrar melhor suas estratégias políticas diante do inimigo comum.
Na semana que vem, David Harvey desembarca no Brasil para uma série de atividades de lançamento do livro. Confira a agenda completa dele ao final deste post. Para esquentar, reproduzimos abaixo a entrevista que ele deu a Daniel Denvir, colaborador da Jacobin, para o The Dig. A tradução é de José Carlos Ruy, do Portal Vermelho.
Boa leitura!
* * *
Daniel Denvir: Você tem lecionado sobre O capital, de Marx, por um bom tempo. Faça uma breve visão geral de cada um dos três volumes.
David Harvey: Marx está muito nos detalhes, e às vezes é difícil entender exatamente no que consiste sua concepção de capital. Mas na verdade é simples. Os capitalistas começam com certa quantia de dinheiro, levam esse dinheiro ao mercado e compram algumas mercadorias, como meios de produção e força de trabalho, que colocam para trabalhar num processo de produção que gera novas mercadorias. Elas são vendidas por dinheiro, com um lucro. Então o lucro é redistribuído de várias maneiras, na forma de aluguéis e juros, e então circula de volta para aquele dinheiro, e reinicia o ciclo de produção.
É um processo de circulação. E os três volumes de O capital lidam com diferentes aspectos desse processo. O primeiro trata da produção. O segundo lida com a circulação e o que chamamos de “realização” – a maneira como a mercadoria é convertida em dinheiro. E o terceiro lida com a distribuição – quanto vai para o proprietário, quanto vai para o financista, quanto vai para o comerciante, antes que tudo seja revirado e reenviado de volta ao processo de circulação.
É o que tento ensinar, para que as pessoas entendam as relações entre os três volumes de O capital e não se percam totalmente em nenhum volume ou em partes deles.
DD: Você difere de outros estudiosos de Marx. Uma grande diferença é que você presta muita atenção aos volumes dois e três, além do volume um, enquanto muitos estudiosos de Marx se concentram no volume um. Por quê?
DH: Marx, em sua mente, tinha uma idéia da totalidade da circulação do capital. Seu plano era dividi-la nessas três partes componentes, que formam os três volumes. Então, apenas sigo o que Marx diz que está fazendo. Agora, o problema é que os volumes dois e três não foram concluídos por ele, e não são tão satisfatórios quanto o volume um.
O outro problema é que o volume um é uma obra-prima literária, enquanto os volumes dois e três são mais técnicos e mais difíceis de acompanhar. Então, posso entender por que, se as pessoas quiserem ler Marx com um certo senso de alegria e diversão, elas o fazem com o volume um. Mas estou dizendo: “Não, se você realmente quer entender o que é a concepção de capital de Marx, não pode entender como sendo apenas sobre produção. É sobre circulação. É sobre colocar no mercado e vender, e sobre a distribuição dos lucros.”
DD: Uma razão pela qual isso é importante é que precisamos entender essa dinâmica de expansão constante que impulsiona o capitalismo – o que você chama de “infinito ruim”, citando Hegel. Explique o que é esse “infinito mau”.
DH: Você chega a essa ideia de “infinito ruim” no volume um. O sistema tem que se expandir porque é sempre sobre lucro, sobre criar o que Marx chamou de “mais-valia”, e a mais-valia é reinvestida na criação de mais valor excedente. Então O capital é sobre esta expansão constante.
E o que isso faz é: se você cresce 3% ao ano, para sempre, chega ao ponto em que o volume de expansão necessária é absolutamente enorme. No tempo de Marx, havia muito espaço no mundo para expandir, ao passo que agora estamos falando de uma taxa composta de crescimento de 3% sobre tudo o que está acontecendo na China, no sul da Ásia e na América Latina. O problema surge: para onde você vai expandir? Essa é a má infinidade que está surgindo.
No volume três, Marx diz que talvez a única maneira de se expandir seja pela ampliação da base monetária. Porque com dinheiro não há limite. Se falamos sobre o uso de cimento ou algo assim, há um limite físico para o quanto se pode produzir. Mas com dinheiro, você pode simplesmente adicionar zeros à oferta monetária global.
Se você olhar para o que foi feito depois da crise de 2008, foram adicionados zeros à oferta monetária por algo chamado “quantitative easing” (flexibilização quantitativa). Esse dinheiro então retornou ao mercado de ações e depois às bolhas de ativos, especialmente nos mercados imobiliários. Temos agora uma situação estranha em que, em todas as regiões metropolitanas do mundo que visitei, há um enorme boom na construção e nos preços dos ativos imobiliários – tudo isso está sendo alimentado pelo fato de que o dinheiro está sendo criado e não sabe para onde ir, exceto em especulação e valores de ativos.
DD: Sua formação é de geógrafo e, para você, a explicação do capitalismo de Marx é fundamentalmente sobre como lidar com problemas de espaço e tempo. Dinheiro e crédito são formas de resolver esses problemas. Explique por que esses dois eixos de espaço e tempo são tão críticos.
DH: Por exemplo, a taxa de juros é sobre o desconto no futuro. E o empréstimo é sobre o encerramento do futuro. A dívida é uma reivindicação sobre a produção futura. Então o futuro está encerrado, porque temos que pagar nossas dívidas. Pergunte a qualquer aluno que deva US$ 200 mil: o futuro está encerrado, porque eles têm que pagar essa dívida. Esta exclusão do futuro é uma parte terrivelmente importante do que é o capital.
O material espacial entra em cena porque, na medida em que o capital começa a se expandir, sempre há a possibilidade de que, se não puder expandir em um determinado espaço, ele entra em outro espaço. Por exemplo, a Grã-Bretanha estava produzindo muito capital excedente no século XIX, então muito dele fluiu para a América do Norte, parte para a América Latina, e outra parte para a África do Sul. Então, há um aspecto geográfico nisso.
A expansão do sistema consiste em obter o que chamo de “correções espaciais”. Você tem um problema: tem excesso de capital. O que vai fazer com isso? Bem, tem uma correção espacial, o que significa que sai e constrói algo em outro lugar do mundo. Se tem um continente “instável” como a América do Norte no século XIX, então há vastas áreas em que pode se expandir. Mas agora a América do Norte está praticamente coberta.
A reorganização espacial não é simplesmente sobre expansão. É também sobre reconstrução. Temos a desindustrialização nos Estados Unidos e na Europa, e depois a reconfiguração de uma área por meio de redesenvolvimento urbano, de modo que as fábricas de algodão em Massachusetts se transformem em condomínios.
Estamos ficando sem espaço e tempo agora. Esse é um dos grandes problemas do capitalismo contemporâneo.
DD: Você falou sobre o futuro ser encerrado. Esse termo é aplicável quando se trata de dívidas em moradias, obviamente.
DH: É por isso que acho que o termo “encerramento” [foreclosure] é muito interessante. Milhões de pessoas perderam suas casas na crise. Seu futuro foi encerrado. Mas, ao mesmo tempo, a economia da dívida não foi embora. Você pensaria que depois de 2007-8 haveria uma pausa na criação de dívidas. Mas, na verdade, o que se viu foi um enorme aumento da dívida.
O capitalismo contemporâneo está cada vez mais nos sobrecarregando com dívidas. Isso deveria dizer respeito a todos nós. Como será paga? E com que meios? E vamos acabar com mais e mais criação de dinheiro, que então não tem para onde ir além de especulação e valores de ativos?
É quando começamos a construir coisas para as pessoas investirem, não para as pessoas morarem. Uma das coisas mais surpreendentes sobre a China contemporânea, por exemplo, é que existem cidades inteiras que foram construídas e ainda não vividas. As pessoas compraram, porque é um bom investimento.
DD: É precisamente essa questão do crédito que levou você a emprestar uma frase de Jacques Derrida, “a loucura da razão econômica”. Coloquialmente, loucura e insanidade são invocadas para estigmatizar ou patologizar indivíduos com doença mental. Mas o que Marx e seu livro nos mostram é que o sistema é realmente insano.
DH: A melhor medida disso é olhar para o que acontece em uma crise. O capital produz crises periodicamente. Uma das características de uma crise é que você tem excedentes de mão de obra – pessoas desempregadas, sem saber como ganhar a vida – ao mesmo tempo em que você tem excedentes de capital que não parecem encontrar um lugar para ir e obter uma taxa adequada de retorno. Você tem esses dois superávits sentados lado ao lado, numa situação em que a necessidade social é crônica.
Precisamos colocar capital e trabalho juntos para realmente criar coisas. Mas você não pode fazer isso, porque o que você deseja criar não é lucrativo e, se não for lucrativo, o capital não o faz. Entra em greve. Então, ficamos com o capital excedente e o trabalho excedente, lado a lado. Esse é o cúmulo da irracionalidade.
Somos ensinados que o sistema econômico capitalista é altamente racional. Mas não é. Na verdade, produz incríveis irracionalidades.
DD: Você escreveu em Jacobin recentemente que Marx rompeu com socialistas moralistas como Proudhon, Fourier, Saint-Simon e Robert Owen. Quem eram esses socialistas e por que e como Marx se separou deles?
DH: Nos estágios iniciais do desenvolvimento capitalista, havia problemas óbvios de condições de trabalho. Pessoas razoáveis, incluindo profissionais e a burguesia, começaram a ver isso com horror. Uma espécie de repugnância moral contra o industrialismo se desenvolveu. Muitos dos primeiros socialistas eram moralistas, no bom sentido desse termo, e expressaram sua indignação ao dizer que podemos construir uma sociedade alternativa, baseada no bem-estar comunitário e na solidariedade social, e questões desse tipo.
Marx olhou para a situação e disse que, na verdade, o problema com o capital não é que seja imoral, mas que é quase amoral. Tentar confrontá-lo com a razão moral nunca vai muito longe, porque o sistema é autogerador e se auto-reproduz. Temos que lidar com essa auto-reprodução do sistema.
Marx adotou uma visão muito mais científica do capital e disse que agora precisamos realmente substituir todo o sistema. Não é apenas uma questão de limpar as fábricas – temos que lidar com o capital.
DD: Você viu O Jovem Karl Marx?
DH: Eu vi o filme e a peça. Marx é um personagem do seu tempo e acho interessante olhar para ele dessa perspectiva.
Mas o que quero fazer é dizer, olhe – nós ainda estamos em uma sociedade impulsionada pela acumulação de capital. Marx abstraiu as particularidades de seu tempo e falou sobre a dinâmica da acumulação de capital e apontou para seu caráter contraditório – como, em sua força motriz, está aprisionando todos nós em dívidas. Marx disse que precisamos ir além do protesto moral. Trata-se de descrever um processo sistemático que precisamos enfrentar e entender a dinâmica do processo. Porque de outra forma as pessoas tentam criar algum tipo de reforma moral, e a reforma moral é então cooptada pelo capital.
É realmente fantástico que tenhamos a internet, que todos pensavam inicialmente como uma grande tecnologia libertadora que permitiria uma grande liberdade humana. Mas agora veja o que aconteceu com isso. Ela é dominada por alguns monopólios que coletam nossos dados e os dão a todos os tipos de personagens decadentes que a usam para fins políticos.
Algo que começou como uma verdadeira tecnologia libertadora de repente se transforma em um veículo de repressão e opressão. Se for feita a pergunta “como isso aconteceu?”, ou se diz que é por causa de algumas pessoas más que fizeram isso, ou, com Marx, que é o caráter sistemático do capital sempre fazer isso.
Não existe uma ideia moral boa que o capital não possa cooptar e transformar em algo horrendo. Quase todo esquema utópico que surgiu no horizonte nos últimos cem anos foi transformado em uma distopia pela dinâmica capitalista. É para isso que Marx aponta. Ele está dizendo: “Você tem que lidar com esse processo. Se você não fizer isso, não criará um mundo alternativo capaz de proporcionar liberdade humana a todos.”
DD: Vamos falar sobre as contradições desse processo. Marx era um feroz crítico do capitalismo, mas também era um admirador de seus poderes de destruição criativa. Ele pensou, por exemplo, que o capitalismo era uma grande melhoria sobre o feudalismo. Como devemos pensar nesses poderes destrutivos hoje? Muito do que o capitalismo destrói é bastante óbvio. Por outro lado, precisamos levar em conta o aumento da renda em lugares como a China e a Índia, e esse processo massivo de construção de infraestrutura que está acontecendo em países como esses. Como você aborda esses processos contraditórios?
DH: Você está certo em mencionar isso, porque Marx não é simplesmente um crítico do capitalismo, ele também é fã de algumas das coisas que o capitalismo constrói. Essa é a maior contradição de todas para Marx.
O capital construiu a capacidade, tecnológica e organizacional, para criar um mundo muito melhor. Mas o faz através de relações sociais de dominação, em vez de emancipação. Essa é a contradição central. E Marx continua dizendo: “Por que não usamos toda essa capacidade tecnológica e organizacional para criar um mundo que é libertador, em vez de um que é dominador?”
DD: Uma contradição relacionada é como os marxistas devem pensar sobre o atual debate sobre a globalização, que se tornou mais confuso do que nunca. Como você acha que a esquerda deveria olhar para o debate sobre o protecionismo de Trump, de uma forma diferente dos economistas?
DH: Marx realmente aprovou a globalização. No Manifesto Comunista há uma passagem maravilhosa que fala sobre isso. Ele vê isso como potencialmente emancipatório. Mas, novamente, a questão é por que essas possibilidades emancipatórias não são assumidas. Por que elas são usadas como meio de dominação de uma classe por outra? Sim, é verdade que algumas pessoas no mundo melhoraram suas rendas, mas oito homens têm tanta riqueza quanto cerca de 50% da população mundial.
Marx está dizendo que temos que fazer algo sobre isso. Mas, ao fazê-lo, não nos sentimos nostálgicos e dizemos: “queremos voltar ao feudalismo” ou “queremos ir viver da terra”. Temos que pensar em um futuro progressivo, usando toda a tecnologia que temos, mas usá-las para um propósito social, em vez de aumentar a riqueza e o poder, e concentrá-los num número cada vez menor de mãos.
DD: Qual é mesmo a razão por que Marx rompeu com seus contemporâneos socialistas românticos? Em termos do que as teorias econômicas liberais e os economistas tradicionais ignoram sobre tudo isso, você cita uma passagem de Marx: “Toda razão que eles – os economistas – colocam contra a crise é uma contradição exorcizada e, portanto, uma contradição real. O que pode causar crises. O desejo de se convencer da inexistência de contradições é ao mesmo tempo a expressão de um desejo piedoso de que as contradições, que estão realmente presentes, não deveriam existir”.
O que é que a economia mainstream se propõe a fazer? E o que eles elidem ou escondem no processo?
DH: Eles odeiam contradições. Não se encaixa com a visão de mundo deles. Os economistas gostam de enfrentar o que chamam de problemas, e os problemas têm soluções. Contradições não. Elas existem com você o tempo todo e, portanto, você precisa administrá-las.
Elas se intensificam naquilo que Marx chamou de “contradições absolutas”. Como os economistas lidam com o fato de que na crise dos anos 1930 ou 1970 ou mais recentemente, o capital excedente e o excedente de trabalho se encontram lado a lado, e ninguém parece ter uma pista para resolver isso. Como recolocá-los para que possam trabalhar para fins socialmente produtivos?
Keynes tentou fazer algo sobre isso. Mas, em geral, os economistas não têm ideia de como lidar com essas contradições. E Marx está dizendo que esta contradição está na natureza da acumulação do capital. E essa contradição então produz essas crises periodicamente, que reclamam vidas e criam miséria.
Esses tipos de fenômenos devem ser abordados. E a economia não tem uma maneira muito boa de pensar sobre eles.
DD: Em termos dessa contradição, você descreve em seu livro “capital excedente e mão-de-obra excedente existentes lado a lado, aparentemente sem maneira de juntá-los novamente.” Depois da recente crise, como essas duas coisas – capital excedente e mão-de-obra excedente – reaqueceram? E a maneira pela qual elas se juntaram resultou em uma nova forma de capitalismo, distinta daquela que prevalecia antes da crise? Ainda estamos vivendo sob o neoliberalismo ou algo novo foi criado?
DH: A resposta à crise de 2007-2008 foi para, na maior parte do mundo – exceto na China – adotar uma política de austeridade neoliberal. O que piorou as coisas. Desde então, tivemos mais cortes. Não funcionou muito bem. Lentamente, o desemprego caiu nos Estados Unidos, mas é claro que disparou em lugares como o Brasil e a Argentina.
DD: E o crescimento salarial é bem lento.
DH: Sim, os salários não saíram do lugar. Então, há o que a administração Trump vem fazendo. Primeiro, seguiu algumas políticas muito neoliberais. O orçamento que aprovaram em dezembro passado é um documento neoliberal puro. Isso basicamente beneficia os detentores de bônus e os donos de capital, e todos os outros são empurrados para o lado. E a outra coisa que aconteceu é a desregulamentação, que os neoliberais gostam. A administração Trump dobrou a desregulamentação – do meio ambiente, das leis trabalhistas e de tudo mais. Então, na verdade, houve uma duplicação nas soluções neoliberais.
O argumento neoliberal teve muita aceitação nas décadas de 1980 e 1990 como sendo de algum modo libertador. Mas ninguém acredita mais nisso. Todo mundo percebe que é uma trapaça na qual os ricos ficam mais ricos e os pobres ficam mais pobres.
Mas estamos começando a ver o possível surgimento de um protecionismo étnico-nacionalista-autárquico, que é um modelo diferente. Isso não se encaixa muito bem com os ideais neoliberais. Poderíamos estar nos dirigindo para algo que é muito menos agradável do que o neoliberalismo – a divisão do mundo em facções guerreiras e protecionistas que estão lutando entre si pelo comércio e tudo mais.
O argumento de alguém como Steve Bannon [um assessor de Donald Trump – JCR] é que precisamos proteger os trabalhadores da América contra a competição no mercado de trabalho, limitando a imigração. Em vez de culpar o capital, culpa os imigrantes. A segunda coisa é dizer que também podemos obter apoio dessa população criando tarifas protecionistas e culpando a concorrência chinesa.
Na verdade, você tem uma política de direita que está ganhando muito apoio sendo anti-imigração e anti-offshoring. Mas o fato é que o maior problema dos empregos não é o offshoring, é a mudança tecnológica. Cerca de 60% ou 70% do desemprego que ocorreu a partir dos anos 80 deveu-se à mudança tecnológica. Talvez 20% ou 30% foi devido ao offshoring.
Mas a ala direita agora tem uma política. Essa política não está apenas acontecendo nos Estados Unidos, mas na Hungria, na Índia, até certo ponto, na Rússia. A política autoritário-nacionalista está começando a dividir o mundo capitalista em facções em conflito. Nós sabemos o que aconteceu com esse tipo de coisa na década de 1930, então devemos estar muito preocupados. Não é uma resposta ao dilema do capital. Na medida em que o etnonacionalismo conquiste o neoliberalismo, estaremos em um mundo ainda mais feio do que já estivemos.
DD: Essas contradições são poderosas dentro da coalizão governamental conservadora nos EUA, mas acho que é um erro quando as pessoas as vêem como novas. Elas estão latentes há muito tempo.
DH: Oh sim. Por exemplo, na Grã-Bretanha, no final dos anos 1960, havia o discurso de Enoch Powell (conservador e ministro da Saúde no Reino Unido, na década de 1960 – JCR) que falava sobre “rios de sangue” se continuássemos com a política de imigração. O fervor anti-imigrante já existia há muito tempo.
Mas conseguiu, durante os anos 1980 e 1990, ser mantido em segredo porque havia dinamismo suficiente na economia capitalista global para as pessoas dizerem: “esse regime de livre comércio e políticas de imigração razoavelmente benignas estão trabalhando para nós.” Desde então, mudou de direção.
DD: Você mencionou o enorme poder da automação. O que Marx diz sobre automação e o que você faz dela? O fim do trabalho está realmente próximo?
DH: Eu vim para os Estados Unidos em 1969 e fui para Baltimore, onde havia enormes empresas de ferro e aço que empregavam cerca de trinta e sete mil pessoas. Em 1990, a siderurgia ainda produzia a mesma quantidade de aço, mas empregava cerca de cinco mil pessoas. Agora o trabalho do aço praticamente desapareceu. O ponto é que, na manufatura, a automação expulsou empregos por atacado, em todo lugar, muito rapidamente. A esquerda passou muito tempo tentando defender esses trabalhos e lutou contra a ação de retaguarda contra a automação.
Essa foi uma estratégia errada por algumas razões. A automação estava chegando de qualquer maneira, e você ia perder. Em segundo lugar, não vejo por que a esquerda deveria se opor absolutamente à automação. A posição de Marx, na medida em que ele tinha uma, seria que deveríamos usar essa inteligência artificial e automação, mas deveríamos fazê-lo de uma maneira que aliviasse a carga de trabalho.
A esquerda deveria estar trabalhando em uma política na qual diria: “damos as boas-vindas à inteligência artificial e à automação, mas elas devem nos dar muito mais tempo livre”. Uma das grandes coisas que Marx sugere é que o tempo livre é uma das coisas mais emancipatórias que podemos ter. Ele tem uma boa frase: o reino da liberdade começa quando o reino da necessidade é ultrapassado. Imagine um mundo em que as necessidades pudessem ser atendidas. Um ou dois dias por semana de trabalho, e o resto do tempo é tempo livre.
Agora, temos todas essas inovações que poupam trabalho na produção e também no lar. Mas se perguntar às pessoas, você tem mais tempo livre do que antes?, a resposta é: “não, eu tenho menos tempo livre”. Temos que organizar tudo isso para que possamos ter o máximo de tempo livre possível. Esse é o tipo de imaginação de uma sociedade que Marx tem em mente. E é uma ideia óbvia.
O que está nos impedindo é que todas essas coisas estão sendo usadas para sustentar os lucros do Google e da Amazon. Até lidarmos com as relações sociais e as relações de classe por trás de tudo isso, não poderemos usar esses dispositivos e oportunidades fantásticos de maneira que beneficiam a todos.
DD: O que você acha dos esquemas de renda básica universal?
DH: No Vale do Silício, eles querem uma renda básica universal para que as pessoas tenham dinheiro suficiente para pagar pela Netflix. Que tipo de mundo é esse? Fale sobre uma distopia. A renda básica universal é uma coisa, o problema é o Vale do Silício e aquelas pessoas que estão monopolizando os meios de comunicação e entretenimento.
A renda básica universal em algum momento pode estar na agenda, mas não coloco isso no topo das minhas prioridades políticas. Na verdade, existem aspectos que têm possibilidades altamente negativas, como sugere o modelo do Vale do Silício.
DD: Você acha que a mudança climática coloca limites claros à expansão permanente exigida pelo capitalismo, ou o capitalismo será capaz de resistir à crise climática?
DH: O capital poderia resistir à crise da mudança climática. De fato, se você olhar para os desastres climáticos, o capital pode transformar isso no que Naomi Klein chama de “capitalismo de desastre”. Você tem um desastre, bem, você tem que reconstruir. Isso dá muitas oportunidades para o capital se recuperar de forma lucrativa de desastres climáticos.
Do ponto de vista da humanidade, acho que não sairemos bem disso. Mas o capital é diferente. O capital pode sair dessas coisas e, desde que seja lucrativo, ele fará isso.
DD: Vamos falar sobre resistência. Você escreve que produção e consumo são as duas facetas centrais do capitalismo, e que lutas sociais e políticas contra o poder do capital, dentro da totalidade da circulação do capital, tomam formas diferentes e exigem diferentes tipos de alianças estratégicas, para terem sucesso.
Como devemos pensar sobre a relação entre as lutas trabalhistas, por um lado, e as lutas contra o Estado – contra o encarceramento em massa, contra despejos de moradores ou empréstimos predatórios – por outro?
DH: Uma das virtudes de olhar o capital como uma totalidade e pensar em todos os aspectos da circulação do capital é que você identifica diferentes arenas de luta. Por exemplo, a questão ambiental. Marx fala sobre a relação metabólica com a natureza. Portanto, a luta pela relação com a natureza torna-se politicamente significativa. Neste momento, muitas pessoas que estão preocupadas com a questão ambiental dirão: “podemos lidar com isso sem confrontar a acumulação de capital”.
Eu me oponho a isso. Num certo ponto, teremos que lidar com a acumulação de capital, que representa um crescimento de cerca de 3% para sempre, como uma questão ambiental clara. Não haverá uma solução para a questão ambiental sem confrontar a acumulação de capital.
Existem outros aspectos também. O capital tem sido a produção de novos desejos e necessidades. Tem sido a produção do consumismo. Acabo de voltar da China e notei que em apenas três ou quatro anos houve um imenso aumento do consumismo. Isto é o que o Banco Mundial e o FMI estavam aconselhando aos chineses há vinte anos, dizendo: “você está economizando muito e não está consumindo o suficiente”. Agora os chineses estão iniciando uma verdadeira sociedade de consumo, e isso significa que os desejos e necessidades das pessoas estão sendo transformados. Vinte anos atrás, na China, o que você queria, precisava e desejava era uma bicicleta, e agora você precisa de um automóvel.
Existem várias maneiras de fazer isso. Os “homens loucos” da publicidade têm seu papel a desempenhar, mas ainda mais importante é a invenção de novos estilos de vida. Por exemplo, uma das maneiras pelas quais o capital saiu do seu dilema em 1945 nos Estados Unidos foi através da suburbanização, que é a criação de um novo estilo de vida. Na verdade, o que descobrimos é que a criação de estilo de vida não é uma escolha.
Todos temos telefones celulares. Essa é a criação de um estilo de vida, e esse estilo de vida não é algo que eu possa escolher individualmente para entrar ou sair – tenho que ter um telefone celular, mesmo que não saiba como a maldita coisa funciona.
Não é como se, no passado, alguém estivesse desejando, querendo ou precisando de um celular. Essa necessidade surgiu por uma razão em particular, e o capital encontrou uma maneira de organizar um estilo de vida em torno disso. Agora estamos presos a esse estilo de vida. Consulte novamente o processo de suburbanização. O que você precisa nos subúrbios? Você precisa de um cortador de grama. Se você fosse inteligente em 1945, teria entrado na produção de cortadores de grama porque todos precisavam de um para cortar a grama.
Agora, há revoltas contra certas coisas que acontecem. As pessoas começam a dizer: “queremos fazer algo diferente”. Encontro pequenas comunidades em todo lugar nas áreas urbanas e também nas áreas rurais, onde as pessoas estão tentando criar um estilo de vida diferente. As que mais me interessam são aquelas que usam novas tecnologias, como o celular e a internet, para criar um estilo de vida alternativo com diferentes formas de relações sociais do que aquelas características de corporações, com estruturas hierárquicas de poder, que encontramos em nosso dia a dia.
Lutar por um estilo de vida é bastante diferente do que lutar por salários ou condições de trabalho em uma fábrica. Há, no entanto, do ponto de vista da totalidade, uma relação entre essas diferentes lutas. Estou interessado em fazer com que as pessoas vejam como a luta pelo meio ambiente, a produção de novos desejos e necessidades e o consumismo estão relacionados às formas de produção. Coloque todas essas coisas juntas e você terá uma imagem da totalidade do que é uma sociedade capitalista, e os diferentes tipos de insatisfações e alienações que existem nos diferentes componentes da circulação do capital que Marx identifica.
DD: Como você vê a relação entre as lutas contra o racismo e essas lutas contra a produção e o consumo?
DH: Dependendo de onde você está no mundo, essas questões são fundamentais. Aqui nos Estados Unidos, esta é uma questão muito grande. Você não terá o mesmo problema se observar o que está acontecendo na China. Mas aqui, as relações sociais são sempre marcadas por questões de gênero, raça, religião, etnia e afins.
Portanto, você não pode lidar com a questão da produção de estilos de vida ou a produção de desejos e necessidades sem englobar a questão do que acontece nos mercados imobiliários racializados e como a questão racial é então utilizada de várias maneiras. Por exemplo, quando me mudei para Baltimore, uma das coisas que estava acontecendo era o blockbusting – o uso, pelo setor imobiliário, de disparidades raciais para forçar a fuga dos brancos e capitalizar a alta rotatividade no mercado imobiliário como uma forma de obter vantagem econômica.
As questões de gênero que surgem em torno de questões de reprodução social também são primordiais em uma sociedade capitalista, não importa onde você esteja. Essas questões estão embutidas na acumulação de capital.
Quando estou falando sobre isso, muitas vezes tenho problemas porque parece que a acumulação de capital é mais importante do que esses outros aspectos. A resposta é que não, não é esse o caso. Mas os anti-racistas precisam lidar com a maneira pela qual a acumulação de capital interfere na política antirracista. E com a relação entre esse processo de acumulação e a perpetuação de distinções raciais.
Aqui nos Estados Unidos, temos todo um conjunto desses tipos de perguntas, que são de suma importância. Mas, novamente, elas podem ser tratadas sem que, em algum momento, se lide com a maneira pela qual a acumulação de capital está promovendo e perpetuando algumas dessas distinções? A resposta para isso, para mim, é não. Eu não acho que isso seja possível. A certa altura, os anti-racistas também precisam ser anticapitalistas se quiserem chegar à raiz real de muitos dos problemas.
DD: Você é bem conhecido pelo seu trabalho acadêmico, mas talvez seja mais conhecido como professor de Marx. Por que você acha importante que os esquerdistas de fora da academia se envolvam com o trabalho sobre Marx?
DH: Quando você está envolvido em ação política e no ativismo, você geralmente tem um alvo muito específico. Vamos dizer, envenenar a tinta no centro da cidade. Você está organizando o que fazer com o fato de que 20% das crianças no centro de Baltimore sofrem de envenenamento por tinta de chumbo. Você está envolvido em uma batalha legal e na luta com lobbies de proprietários e com todos os tipos de oponentes. A maioria das pessoas que conheço envolvidas em formas ativistas desse tipo estão tão preocupadas com os detalhes do que estão fazendo que muitas vezes esquecem onde estão no quadro geral – das lutas de uma cidade, quanto mais no mundo.
Muitas vezes você acha que as pessoas precisam de ajuda de fora. Essa coisa de tinta de chumbo é muito mais fácil de lidar se você tem todas as pessoas envolvidas no sistema educacional, que vêem crianças em escolas com problemas com envenenamento por tinta de chumbo. Você começa a construir alianças. E quanto mais alianças você puder construir, mais poderoso seu movimento se torna.
Eu tento não ensinar as pessoas sobre o que elas devem pensar, mas tente criar uma estrutura de pensamento, para que as pessoas possam ver onde estão na totalidade de relacionamentos complicados que compõem a sociedade contemporânea. Então, as pessoas podem formar alianças em torno dos problemas com os quais estão preocupadas e, ao mesmo tempo, mobilizar seus próprios poderes para ajudar outras pessoas em suas alianças.
Tenho apostando na construção de alianças. Para construir alianças, você precisa ter uma imagem da totalidade de uma sociedade capitalista. Na medida em que você pode obter um pouco disso estudando Marx, acho que é útil.
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David Harvey no Brasil

Confira abaixo a programação de atividades com o autor, que conta com a promoção da revista CartaCapital:

São Paulo

O desenvolvimento urbano e as crises do capitalismo
24/08 // 10h
Centro de Pesquisa e Formação – Sesc em São Paulo
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Fortaleza

David Harvey em Fortaleza: A cidade do capital
21/08 // 17h
Cine Teatro São Luiz
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São Luís

David Harvey em São Luís: A crise da urbanização planetária
22/08 // 19h
Auditório da UFMA – Centro Pedagógico Paulo Freire

Trecho do livro

“Minha intenção aqui não é sugerir que o capital às vezes cede a um instinto primordial de destruir o que quer que ele tenha construído, como algumas crianças que parecem adorar pisotear os castelos de areia cuidadosamente construídos por outras crianças. Pois, para Marx, o que interessava era mostrar que aquilo que na história do capitalismo parecia (ou era apresentado como) um ato do destino ou dos deuses era de fato produto do próprio capital. Mas, para tanto, ele precisava de um aparato conceitual alternativo. Por exemplo, o modo de produção capitalista precisa reconhecer, escreveu Marx, que uma “desvalorização do dinheiro creditício […] faria estremecer todas as relações existentes”. Os bancos, como sabemos bem, precisam ser socorridos custe o que custar. “Sacrifica-se, portanto, o valor das mercadorias para assegurar a existência imaginária e autônoma desse valor no dinheiro. Como valor monetário, ele só fica assegurado enquanto estiver assegurado o dinheiro.” A inflação, como também sabemos muito bem, precisa ser controlada a todo custo. “Por uns poucos milhões em dinheiro, é preciso sacrificar, portanto, muitos milhões de mercadorias, o que é inevitável na produção capitalista e constitui uma de suas belezas.” Valores de uso são sacrificados e destruídos independentemente da necessidade social. Quão insano é isso?